Princípios Básicos de Aconselhamento


Texto publicado pelo O Jornal Batista

No texto Fundamentos do Aconselhamento discorri sobre como manter e desenvolver o vínculo no processo de Aconselhar. Aqui falo de aspectos gerais desse processo.  

O ouvir é uma habilidade rara. Ainda mais ouvir integralmente e com empatia o outro. Geralmente quando se acha alguém que aparentemente ouve, pode se ter na realidade alguém que apenas fica em silêncio ouvindo os próprios pensamentos enquanto o outro fala e que seletivamente ouve, imbuído de preconceitos e censuras ao outro.

Ouvir uma pessoa é saber que ali há um corpo que fala além de apenas uma palavra que diz. Ouvir uma pessoa é saber que há um outro diferente de nós e não apenas similar pelos valores cristãos. Ouvir uma pessoa é saber que apesar de convertida, é uma pessoa com conflitos interiores, típicos do humano.

É imprescindível saber que no mesmo tempo em que a pessoa fala, nossos pensamentos de censura e repreensão, falam também. Não dê ouvidos a eles. Apenas à fala da pessoa nesse primeiro momento. Para os cristãos, um outro Ser que falará com você com certeza nesses momentos é o Espírito Santo de Deus. Seu agir é imprevisível no sentido do momento e da direção que Ele quer dar para aquela pessoa.


Aporte no AC (Aconselhamento)

Para os cristãos, a oração pode ser realizada no meio do processo de AC, antes dos questionamentos e depois da fala inicial da pessoa. Orem e depois continue o processo. Muitas vezes numa oração no meio mesmo do Aconselhamento pode possibilitar ao Espírito[1] o momento que ele precisa para com a ajuda do Conselheiro realizar sua função (Jo 14:26).

Ofereça ainda versículos e fatos bíblicos, mas respeite a sua liberdade de escolha. Em casos mais graves é aceito uma atitude mais diretiva, aconselhadora. Em outros, o questionamento resguarda a individualidade e oferece a possibilidade de esclarecimentos e de reflexão, de tomada de consciência da própria vida.

Controle os impulsos de dar sermões e contar histórias nesse momento e de caminhar por explanações bíblicas vagas, a pessoa quase sempre não ouvirá, a não ser a própria angústia. Por isso ajudar a pensar essa angústia, a elaborar essa angústia biblicamente é o foco do Aconselhamento. 

Muitos Aconselhamentos de cristãos são ineficazes, pois os pastores confundem a função do Púlpito com a função gabinete. A função do Púlpito é a de expor uma Verdade Bíblica, já a função do Gabinete é a de contrapor a angústia pessoal com a Bíblia.

A exposição da Bíblia não é um momento proibido, mas deve ser em momentos em que a capacidade de a pessoa ouvir já se restabeleceu. O conselheiro deve estar sensível para isso. Há momentos em que a pessoa não ouve, só fala, pois o nível de angústia é grande. Se o conselheiro passa uma mensagem de falante, isso se irradia para a comunidade e sua função de AC fica comprometida.

Esteja atento para as motivações latentes de seu liderado. No texto Motivações Ocultas dos Liderados explico o que é isso e como lidar com esse desafio. 



Alguns Processos do AC

Ofereça um clima de escuta sem censura, com empatia, liberdade de fala, aceitação total e interesse em entender. Escutar é uma ciência e possui princípios que devem ser seguidos para que haja eficiência e eficácia no processo de escuta do AC.

Ouça, ouça e ouça muito. Forneça feedback que está ouvindo, compreendendo e entendendo, independente de estar concordando ou não com as atitudes relatadas. Não ofereça um ambiente de censura e repreensão nessa primeira etapa de escuta. Apenas ouça, não ouça seus pensamentos e conjecturas sobre o caso. Ouça a pessoa, sua fala, suas emoções, seus sentimentos e seu corpo que se comunica também o tempo todo.

Utilize uma atenção flutuante, que é a capacidade de ouvir tudo sem selecionar, focar ou concentrar em partes da fala para análise paralela na mente enquanto se escuta o outro. Essa atenção flutuante é a capacidade de oferecer escuta a toda a fala sem se focar numa parte dela para análise ou reflexão. Às vezes o conselheiro ouve com seletividade e ao mesmo tempo em que pensa. Isto é prejudicial.

Os estudos de teorias sobre a personalidade e sobre a psicologia aumentam a capacidade de ouvir. Quanto mais conhecimento tiver sobre como é o funcionamento psicodinâmico do ser humano, maior é a capacidade de se ouvir na totalidade todas as partes da psique: a fala consciente, a fala inconsciente, a fala dos sintomas e a fala do corpo.

Quando se entende que a mente é um misto de ‘carne’ com espírito se entende que na pessoa coexiste uma força que a impele de fazer algo e ao mesmo tempo uma outra força que impede de fazer esse algo. Como Paulo dissera: “o que quero não faço, já o que não quero esse faço...”

Perguntas podem ser feitas para a escuta se aprimorar. Mas que sejam perguntas que esclareçam a fala da pessoa. Intervenções curtas para esclarecer não devem ser feitas no momento em que a fala representa um desabafo ou uma catarse emocional, onde o fluxo não deve ser interrompido.

Para ouvir com empatia[2], coloque-se no lugar da pessoa. Ela tem o direito de sentir raiva, impulsos violentos e agressivos, afinal é um ser humano. O problema é o que ela faz com esses impulsos e como os controla. Por isso, demonstre uma escuta acolhedora, sem repreensão, até em momentos em que ela estiver dizendo, por exemplo ‘ai, que vontade de matar aquele homem’.

Não censure pensamentos pecaminosos de pronto. Aborde o tema depois com cuidado e pelas ‘beiradas’, quase sempre se percebera que esses pensamentos nunca seriam postos em ação. Esses pensamentos pecaminosos são resultado de um aprendizado de vida traumático na infância, um aprendizado emocional, um aprendizado oriundo dos pais, de como resolver problemas.

Aumente a capacidade de awareness da pessoa: aumentar a capacidade de olhar para si para os seus sentimentos e expressões e comportamentos. Ajude-a a demonstrar suas expressões, seus sentimentos e suas emoções. Por exemplo: ‘percebo que essa ansiedade atrapalha em muito a sua capacidade de trabalhar em calma’, ou ‘noto que o fato de o seu marido não te ouvir causa em você uma raiva muito grande e que você não expressa’.

Espelhe a fala, resuma a fala para mostrar que a entendeu e para checar se entendeu. Esse resumo e espelhamento da fala da pessoa oferecem a possibilidade de demonstrar que ela está sendo acolhida e respeitada em sua individualidade pelo simples fato de estar sendo ouvida com atenção e compreendida.

Após a escuta integral da pessoa, da problemática principal, ofereça questionamentos. Questionamentos que permitam pensar sobre esse momento em que ela está vivendo. Ao invés de oferecer o conselho, indague sobre o melhor caminho com base na Bíblia. Estimule a pessoa a encontrar a própria solução para a sua questão.

Ofereça momentos de clarificação da fala da pessoa. Em alguns momentos a própria situação de vida da pessoa está confusa para ela. Faça perguntas como: ‘o que você acha que isso quer dizer?’ ou ‘você pode pensar melhor nessa situação para buscar entender o que está acontecendo?’.

Muitas vezes, a angústia vem da incapacidade de entender o que se passa consigo mesma, com o corpo e com a família; o que se sente e o que se deveria fazer nessas situações desconhecidas. Estimular o esclarecimento é muito útil na medida em que põe a pessoa para buscar o entendimento de sua problemática.

Sugestões e caminhos podem ser sugeridos, mas não impostos. Antes de oferecer uma sugestão, estimule o esclarecimento da sua situação de vida. Apenas descrever o que acontece é uma boa técnica para pensar sobre a própria problemática.

A técnica de esclarecimento difere da de reflexão na medida em que aquela visa a descrever o que se passa nos detalhes, já a reflexão, busca ‘os porquês’, ’os pra quês’. O uso das duas deve ser concomitante e com a experiência de AC se consegue discernir entre o momento de usar cada uma delas.

Já a técnica de confrontação visa corrigir a fala da pessoa e trazer à consciência de forma mais clara algum comportamento inadequado e não-cristão. Por exemplo, a pessoa diz: ‘eu apenas reajo às ignorâncias de meu esposo’ e o conselheiro diria ‘vamos ser sinceros, você responde com ignorância também a ignorância dele, não é verdade?’.

Isso deve ser feito em momento certo, depois que o vínculo e a confiança entre os dois se estabeleceram. Depois que a pessoa teve um momento de escuta ativa e empática. Oferecer confrontação logo de início sem ouvir os desabafos é um grave erro que compromete a capacidade de a pessoa falar. Junto dessa técnica pode ser empregada a técnica do silêncio, que comunica à pessoa: ‘pense nisso agora’.

A técnica do silêncio pode ser usada em diversos momentos, como no de confrontação e no momento em que a pessoa estiver precisando elaborar por si mesma a dor que sente. Em alguns momentos esse silêncio do conselheiro em momentos de pranto pode demonstrar que a pessoa tem que aprender a lidar e a elaborar essa dor, pois nem sempre poderá contar com um braço para ajudá-la. Nos momentos de pranto, silêncio e palavras confortantes podem coexistir. 

Complete sua leitura com o texto A Função de Escuta e o Papel de Aconselhamento na Liderança, onde exponho mais técnicas a serem utilizadas nesse processo. 



Limites de um Aconselhamento

Enfim, o conselheiro não deve reduzir o Aconselhamento  à prática de conselhos, sugestões de decisões e com pregação de sermões, mas o ouvir e o apenas ouvir é uma técnica muito poderosa e importante.

O ouvir deve ser praticado de maneira integral com atenção às dimensões de palavras, pensamentos, emoções e corpo, que se expressam através de organização e escolha das palavras, seleção da temática e do aspecto da temática da fala, tom de voz, falhas de voz, silêncios, gaguejos, atos falhos, irregularidades nos volumes de voz, postura corporal, gestual, comunicação inconsciente, movimento de olhos, dentre alguns outros.

O conselheiro deve saber discernir quando a pessoa quer uma sugestão bíblica e quando quer apenas desabafar e ser ajudado a pensar. Esse ouvir não deve ser estéril. É um ouvir que visa oferecer a diminuição da angustia, que visa o esclarecimento das questões espirituais da pessoa e que visa também encaminhamentos profissionais e sugestões bíblicas.

Ovelhas que tem um bom nível de amadurecimento (autonomia de decisões e autocontrole das emoções) apenas precisam desabafar e ou serem ajudados a pensar, raramente precisam de conselhos diretos e freqüentes. Outras ovelhas precisam de sugestões mais simples e diretas, mas se deve ter consciência de que o fornecimento freqüente de conselhos pode produzir um círculo vicioso que se torna fonte de dependência psicológica.


Fronteiras de um Aconselhamento

A atividade de Aconselhamento deve e pode se estender além da prática de Aconselhamento, mas sempre se distanciando das práticas de Psicoterapia e da Psicologia, que são funções por lei privativas de Psicólogos.

Um bom princípio a se observar quanto a isso é não estender demais o numero de ‘sessões’ de AC com uma pessoa e evitar escarafunchar traumas e as relações primitivas com os pais na infância. Isso pode criar situações vexatórias para o conselheiro que não goza da chamada distancia epistêmica[3] com a pessoa, já que convive com ela no dia a dia. Além disso, poderia desencadear problemas psicológicos e sociais maiores na pessoa.

Por isso é importante diferenciar Consulta Psicoterápica de Aconselhamento. No AC deve ter um foco mais diretivo e no aqui-agora e não busca de porquês na infância e na aplicação de técnicas psicoterápicas. Vale lembrar que Psicologia é prerrogativa de Psicólogos e o desempenho irregular da função é crime. Na duvida, basta saber que atividade de AC se situa ao redor da escuta ativa e empática e do aconselhamento bíblico para os cristãos.

Vale aqui ressaltar aquela história entre um Doutor para um estudante de medicina: o estudante pergunta: ‘Doutor, se é tão simples retirar um apêndice, por que 7 anos numa faculdade para aprender medicina?’. E na sua sabedoria e experiência responde o Doutor: ‘Filho, retirar um apêndice é fácil, posso te ensinar isso em 10 minutos. O que vai levar 7 anos de tempo é a aprendizagem do que fazer quando algo der errado’.

Por fim, saiba que aconselhar traz sempre um risco a quem aconselha e ao seu ministério e ou trabalho. Veja o texto A Psicologia no Gabinete para entender do que se trata.





Dr Marcelo Quirino
Psicólogo Clínico UFRJ


[2] Não se deve nem pensar em repreensões no momento da escuta, nem realizar julgamentos de censura no momento em que se ouve, pois seus pensamentos de repreensão podem ser captados pelo inconsciente da pessoa e gerar um bloqueio na fala dela e comprometer o processo de escuta.

[3] A distância epistêmica se define pelo sentido literal da palavra distância. É a posição de ser distante da pessoa e não participante dos mesmos grupos sociais que ela, é a distância do dia-a-dia da pessoa e das tarefas onde ela está empenhada. O conselheiro não goza disso, uma vez que é participante da mesma família que a pessoa, do mesmo Corpo, da mesma comunidade e do mesmo grupo social, logo o conselheiro está contaminado por preconceitos e imagens já preconcebidas da pessoa e não pode se proteger de um vínculo psicoterapêutico e das transferências e identificações projetivas que poderiam se estabelecer. Daí não se deve ultrapassar os limites de um AC indo em direção à Psicologia e Psicoterapia. Isso ofereceria grandes riscos dos mais diversos para a saúde espiritual do corpo e psicologia da dupla conselheiro-pessoa.

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